Estou transcrevendo o texto do Xico Sá no NO MÍNIMO de hoje, como forma de deitar no asfalto ao lado dos estudantes.Beijo e protesto no asfaltoUns deitam em berço esplêndido, numa boa, lábaros estrelados. Os estudantes de SP deitam nas ruas, numa estratégia bem-sucedida de protesto. No chão, deitados ou sentados, como fizeram ontem, paralisam o trânsito por alguns minutos e não levam cassetetes no lombo e gás-pimenta nos olhos, como rolou na última sexta. São poucos ainda os que protestam contra o aumento da tarifa de metrô e ônibus _300 na conta mão-de-vaca da PM, 800 na soma farta dos organizadores_, mas o efeito e o barulho é de uma multidão incalculável. O velho Oswald tinha razão: a alegria é a prova dos nove. Sem aquele ranço politiqueiro comum às passeatas do gênero, os garotos fazem a melhor das fuzarcas. O mais radical de tudo: alguns jovens casais se beijam ao solo pátrio.
Sim, estão lá as tradicionais entidades da área, como a UNE, a UBES, a UMES, mas não há cheiro de aparelhamento. Os punks e os anarquistas, sempre bem na foto de qualquer protesto sério em São Paulo, também fazem parte do “Levante do Busão”, nome da barricada contra o aumento do prefeito Kassab e do governador Lembo. Não mais caminhando e cantando, mas deitados, os estudantes já decidiram: vão parar a cidade se vingar o abuso _o reajuste, de R$ 2 para R$ 2,30, é de 15%, quando deveria, segundo cálculos de inflação e a planilha de custos dos ônibus, ser de no máximo 6%. A facada da hora, está na cara, é para evitar novos aumentos nos arredores das próximas eleições. Pois é, o alcaide pefelista é candidato.
“Tem amiga minha, riquinha, que diz: que absurdo vocês fazerem esse escândalo todo por causa de 30 centavos! Não tem idéia do que representa no fim do mês para estudante pobre e trabalhadores”, Érica Rossi, 16, secundarista, uma dublê de Angelina Jolie daquele protesto, que boca!, discursa lindamente. “O mais interessante dessa onda de protesto é que não nos contentaremos apenas em barrar aumentos, nossa grande guerra é pelo passe livre, como no mundo civilizado”.
Me gustan los estudiantes, como canta, no seu portunhol selvagem o rei do punk-brega, o gaúcho Wander Wildner [sim, aquele mesmo dos Replicantes!], o acontecimento do ano de 2006 em bares estudantis. Sim, porque o grande épico não é ganhar a vida, a vida não se ganha, o grande épico é não encaretar-se. O tiozinho segue o cortejo com a careca em brasa. Mais adiante, os caixões de Kassab e de Lembo. Um rápido desconto para mister Burns, que anunciou um aumento de R$ 2,10 para 2,30 no metrô, com uma observação curiosa: “Se eu deixasse, eles (tecnocratas tucanos) aumentavam para R$ 5”. O anúncio provocou maior rebu na equipe de Serra, que estava ciente que o pefelista deixaria a facada para o início da próxima gestão.
Agora a rapaziada, que saiu do Masp, lá na Paulista, chega à Prefeitura de SP, aqui colado no Viaduto do Chá. “Os meninos estão certos”, grita o homem-sanduíche Romildo Soares, 45, compra-se ouro, penhoras, faz-se qualquer negócio etc. A PM acompanha tudo de muito perto. São 138 calças cinzas na marcação homem-a-garoto e mais 150 da tropa de choque à espreita, ou seja, praticamente um policial para cada aluno na rua, isso se o cálculo “oficial” de participantes estiver certo.
Mas se ameaçar, tá combinado, ok, a estudantada deita.
Um grupo de seis cheira-colas, quatro pivetes e duas meninas, passa com dois vira-latas só o couro e o osso, mas numa alegria monstra. Todos chapados. Uma cigana do viaduto lê a mão de uma mocinha com cara de quem sofre horrores, dores de amores, seus olhinhos dão boa tarde a uma tristeza de tresontontem…
Os simbólicos caixões de Kassab e Lembo são queimados, assisto ao incêndio refletido na lente dos óculos de Érica, minha incendiária predileta. Rômulo Dias, 15, colega da moça, me vê anotando algo discretamente e quer falar também, que o escutem do Ipiranga: “Sacanagem, né, meu?, esse aumento não vai passar, vamos parar tudo daqui para quinta”. Deus te oiça, bom menino. Como é bom, na pasmaceira que virou esse mundo, acompanhar essa gente jovem indignada… e sem ser chata. E viva a rapaziada guerreira, pois o gênio é uma grande besteira, um the end aqui com mais um verso do velho homem do povo, senhor Oswald, salve salve!
Publicado por
Xico Sá -
29/11/06 12:03 AM